Laboratório de Zines: Tutorial
O Faísca Lab está inaugurando um programa para a produção de publicações experimentais, o Laboratório de Zines. Neste texto, explicamos como funciona a preparação de arquivos, a imposição de páginas, a impressão em Riso com duas cores e o acabamento em grampo e refile. Para isso, vamos usar como referência o periódico fotográfico El Murta, um lançamento do selo Faísca Lab, que tem características semelhantes às das publicações propostas pelo Laboratório.
Com o objetivo de incentivar a produção de publicações em Riso e de fortalecer a comunidade criativa, a proposta é viabilizar projetos e experimentos de artistas em pequenas tiragens, com preços acessíveis para autores, assim como contribuir com a distribuição das obras para integrantes do programa.
O regulamento para participar está aqui no site. Sugerimos acompanhar também o Instagram @faiscafestival, para saber os períodos de abertura das chamadas e não perder os prazos de inscrição.
O fanzine El Murta é uma publicação feita a partir da reunião e edição de fotografias antigas para formar uma narrativa visual. Ele foi impresso em Riso, nas cores azul médio e rosa fluorescente, tem 16 páginas no papel Pólen Bold 90g e o formato é de 11,5 cm X 18,0 cm. Seu acabamento é em dobra, grampo e refile. Foram produzidos 100 exemplares.
Essas especificações correspondem às características-padrão das obras propostas pelo Laboratório de Zines. Então, a escolha da zine El Murta serve como uma forma de apresentar, de modo prático, quais caminhos percorremos até o resultado final, fornecendo informações sobre os processos que serão seguidos no programa.
Este texto é o roteiro adaptado do vídeo que está disponível em nosso canal no YouTube. Para assistir, clique aqui.
Por Jão
Passo 1: Preparação de arquivos
Para iniciar a jornada de produção da zine, a Helen mergulhou em um acervo de milhares de fotos digitais de viagens com a família pelo Brasil no começo dos anos 2000, até se deparar com uma série de imagens que mostrava uma situação específica: pinguins mortos encontrados nas praias de Florianópolis. Esta foi a primeira triagem editorial e ela compartilhou as imagens comigo por uma pasta virtual. Conversamos, então, sobre a mensagem que aquelas fotos passavam e sobre ideias que poderiam ser implementadas na obra.
Comecei, então, a fazer um primeiro tratamento nas fotografias. Algo simples, mexendo apenas em contraste, brilho e incluindo um ou outro filtro no Photoshop. Esse procedimento permitiu que eu criasse uma conexão maior com as imagens e, com isso, pudesse introduzir ideias para a construção narrativa.
Feito isso, parti para o projeto gráfico no InDesign. Gostaria que a publicação tivesse um formato interessante para ser lida, ao mesmo tempo em que não fosse tão grande em relação à dimensão e à quantidade de páginas. Assim, chegamos na proposta de usar as pranchas com as dimensões de 11,5 cm X 18,0 cm e, ao todo, 16 páginas. Junto com isso, pensamos que seria legal fazer a zine usando somente duas cores, mas ainda não sabíamos quais.
Prossegui para a finalização da diagramação pelo InDesign. Ali, posicionei as fotografias em ordem diferente da cronologia em que elas foram registradas, formando uma narrativa. Antes da preparação dos arquivos para a impressão, comecei a fazer alguns testes no Photoshop por meio do recurso de Separação de Canais. Cheguei, então, na ideia de usar azul médio e rosa fluorescente e apresentei isso para a Helen, que gostou da sugestão. Nossa conclusão, ali, foi não a de ser fiel ao ambiente fotografado, mas de trabalhar as possibilidades da narrativa que estava sendo construída por meio dessas cores. Assim, parti para o tratamento final com as camadas de cor em escala de cinza para cada foto.
Aqui é bom fazer uma observação sobre a Riso:
A impressão em Risograph é um processo permeográfico, em que um estêncil, chamado também de máster ou matriz, é criado e enrolado no tambor da máquina, e seus espaços vazados permitem que a tinta passe para chegar ao papel. A leitura para a confecção do máster é feita a partir do contraste entre preto, branco e tons de cinza.
Para o tratamento final, usei as curvas do Photoshop, deixando os tons de cinza e preto da forma como eu gostaria que fossem passados para o papel a partir das cores selecionadas.
Passo 2: Imposição de Páginas
Se você é, como eu, da época em que muitas zines eram feitas em Xerox, provavelmente já trabalhou com imposições de páginas. Hoje, é comum que se envie o arquivo para uma gráfica e que esta etapa seja realizada pelo próprio prestador de serviços, então, muitas vezes, não se pensa tanto sobre o assunto, bem mais familiar para quem se autopublica. Quando comecei a rodar meus trabalhos em Riso aqui no estúdio, percebi o quanto é importante que artistas saibam fazer, eles próprios, esta parte, já que é comum que este seja um momento de incorporação de outros aspectos interessantes para o resultado final.
Então, vou falar um pouco sobre a imposição de páginas.
No caso dos nossos duplicadores Riso, as impressões são realizadas no formato A3. Desse modo, a imposição de páginas nada mais é que uma montagem de uma organização das pranchas, para que, depois que as folhas sejam dobradas, a posição das páginas fique de acordo com o resultado pretendido na publicação.
No caso do El Murta e das publicações do Laboratório de Zines, são 16 páginas no formato de 11,5 cm X 18,0 cm. Como o A3 possui as dimensões de 29,7 cm X 42 cm, cabem quatro páginas por lado de cada folha, totalizando oito páginas ao pensarmos em frente e verso. Assim, o total de páginas do trabalho é impresso em duas folhas A3, frente e verso.
Para não ficar confuso, o melhor modo de fazer esse planejamento é preparando um protótipo ou boneca. Para fazer isso, pegue duas folhas de papel A3 e dobre-as até chegar a um formato aproximado ao pretendido na publicação. Feito isso, basta numerar as páginas (com as folhas ainda juntas e dobradas). Ao desdobrá-las, é possível perceber que as numerações de páginas não seguem uma lógica linear, assim como algumas delas ficam de cabeça para baixo. E, assim, você tem um projeto de imposição de páginas para seguir.
No El Murta as folhas com as páginas impostas ficaram assim:
Passo 3: Marcas e Guias
Além da imposição de páginas, um outro ponto importante para a realização de uma publicação são algumas informações que devem constar nas folhas como referências para a pessoa responsável pela impressão e pelo acabamento do trabalho, mesmo que seja você mesmo. São as marcas de corte e dobra, assim como algumas instruções para rodar o trabalho.
Ao dobrar os papéis, mesmo que sejam somente duas folhas, as partes internas empurram as externas, então é gerada uma diferença de alguns milímetros entre elas.
O papel A3 passa por nossas Riso, mas a área de impressão, ou seja, o limite até onde a tinta chega para os registros, é um pouco menor, de 28 cm X 40 cm. Com as dobras, a metade de cada uma das dimensões, ou seja, 14cm X 20cm, precisa abranger não só as páginas, como sangria de 5 milímetros, marcas e guias.
Por isso chegamos no formato de 11,5 cm X 18,0 cm. Falando sobre sangria, aliás, ela é uma margem de segurança que fica ao redor das páginas para que, com os cortes, não sobrem espaços em branco, especialmente para imagens de página inteira. Marcas de Corte e Dobra são alguns sinais para o momento do acabamento. Normalmente incluo: aquelas que guiam as dimensões das páginas e as que servem para cortar as folhas inteiras ao meio. Isso é uma forma de separar aquelas páginas que ficam de cabeça para baixo, no momento do acabamento, reposicionando-as antes de fazer as dobras para uma melhor visualização na finalização. Indico o uso de marcas de corte e dobra da zine em si somente na capa e na quarta capa, que constituem a folha que envolve todas as outras. Isso porque, com o corte e as dobras, queremos evitar que sobrem algumas marcas no miolo da zine. Também não é necessário fazê-las em todas as camadas de cor, podendo escolher apenas algum dos tons mais fortes do projeto, como preto, azul ou verde, para reproduzir essas guias.
Outro elemento comum em trabalhos impressos em Riso são as marcas de registro, pois o processo de produção possui algumas peculiaridades. Deslocamentos entre camadas de cor costumam acontecer, e, mesmo assumindo ou incorporando os desalinhamentos, é bom criar indicativos para que isso não saia completamente do controle. Esses guias são as marcas de registro.
Também costumo incluir informações em texto nas bordas para conseguir orientar e organizar as folhas enquanto estou trabalhando. Coloco a numeração da folha e a identificação de frente ou verso, o que ajuda bastante na hora de fazer a intercalação de páginas.
Aliás, se você é participante do Laboratório de Zines, você tem acesso à pasta com arquivos base para utilizar, onde já constam as margens, marcas e guias, bastando apenas acrescentar o conteúdo de seu trabalho e exportar os arquivos.
Passo 4: Fechamento de Arquivos
Depois de fazer a imposição de páginas e acrescentar as marcas e guias, chega o momento de exportar os arquivos finais de impressão.
Para o El Murta, como a impressão seria em duas cores, precisei fazer a exportação de dois arquivos diferentes, um para cada tambor de tinta. Assim, foi necessário criar documentos idênticos, para então trabalhar a variação de imagens correspondente a cada cor. As marcas de registro, por exemplo, precisam estar posicionadas nos mesmos lugares do papel para ambos os arquivos.
Para exportar:
No InDesign, vá em Arquivo>Exportar e, em seguida, selecione a opção Adobe PDF (Print) e renomeie cada documento da seguinte forma:
Zine_Autoria_Cor1.pdf e Zine_Autoria_Cor2.pdf
Depois, selecione a opção: PDF/X-1a:2001, deixe cada arquivo de cor completo, não por folha, e mande exportar.
Faça o mesmo procedimento para o arquivo seguinte.
Uma observação importante é que, além dos dois documentos de impressão, o ideal é enviar o arquivo com o conteúdo da zine em seu formato final (sem as páginas impostas) e com as camadas de cor reunidas. Essa é uma simulação digital do resultado que serve para que o impressor confira, ainda na tela do computador, se existem problemas ou equívocos.
Passo 5: Cores
Este é um dos pontos que distanciam o processo de produção do El Murta dos resultados do Laboratório de Zines. No caso do primeiro, escolhemos as cores enquanto desenvolvíamos a obra. Já no Laboratório, os participantes não decidem as tintas que serão usadas. As cores serão escolhidas pelos organizadores do Faísca Lab.
Como o programa é uma iniciativa independente, ou seja, não tem financiamento externo, essa escolha é importante tanto para a viabilidade do Laboratório como para oferecer preços acessíveis de participação. Essa alternativa foi escolhida para trabalharmos com a disponibilidade vigente do estoque de tintas do Faísca Lab, já que o acesso aos insumos da Riso exige tempo, planejamento e a assistência técnica no caso, por exemplo, de problemas com tambores específicos e outras peças pode demorar bastante, com condicionantes como a necessidade de importação.
Os participantes podem sugerir cores conforme a informação do estoque vigente, mas a decisão final é sempre da organização.
Atualmente, o Faísca Lab conta com tambores com as seguintes tintas: amarelo, azul médio, preto, rosa fluorescente, verde e vermelho brilhante. Para saber mais sobre elas, acesse stencil.wiki/colors.
De todo modo, a produção sem um guia pré-definido pode ser avaliada pelo autor também como uma limitação criativa para potencializar a experimentação artística.
Passo 6: Impressão e Acabamento
Como falei no início do vídeo, definimos que a tiragem do El Murta seria de 100 exemplares, já que os custos de todo o processo de impressão em Riso acabam sendo diluídos na medida em que um número maior de cópias são rodadas na máquina.
Há um gasto específico para a produção de cada máster, mas ele é capaz de produzir milhares de cópias. Para gravar cada novo estêncil, o tambor puxa uma boa quantidade de tinta do tubo, então para a produção de pouquíssimas cópias, por exemplo, o custo unitário acaba ficando alto. Ao mesmo tempo, o processo de impressão exige bastante envolvimento e acompanhamento para a obtenção dos resultados desejados, tornando o tempo outra variável importante nessa balança. Então, o uso da Riso para fins criativos é comum para tiragens que não sejam muito pequenas nem muito grandes. Nesse aspecto, a Riso ficaria entre o laser, que pode ser vantajoso para quantias de até 50 cópias, e o offset, voltado para tiragens acima de 500 exemplares.
Para o Laboratório de Zines, com o objetivo de tornar o processo mais acessível, optamos por dividir as tiragens dos trabalhos com os autores. A venda dos títulos que ficam com o Faísca Lab é uma forma de oferecer um custo menor para os participantes do programa. Além disso, como ficamos sempre com 30 exemplares, os interessados podem escolher também a modalidade em que ficam com 30 cópias, algo que não seria viável sem a divisão. Há também as opções de receber 50, 75 ou 100 cópias.
O duplicador que mais usamos no Faísca Lab é um MZ790, que abriga dois tambores e, assim, tem capacidade de impressão de duas cores por passagem na máquina. Isso agiliza o processo em relação aos duplicadores de um tambor só. Depois da preparação de arquivos, é hora da impressão.
A primeira etapa é fazer os másteres correspondentes para cada folha e, em seguida, começar a rodar a tiragem. Normalmente faço um pouco mais do que a quantia exata que é esperada, pois outros problemas podem surgir no meio do caminho, como a perda de cópias no momento de imprimir os versos, por exemplo. Caso isso aconteça e já tenham sido produzidos outros másteres no tambor, a recriação de matrizes para a correção desses erros torna o projeto mais oneroso, então é bom se precaver. Cerca de 10% ou 15% a mais é suficiente aqui.
No caso de publicações, outra complicação em relação aos registros é encaixá-los nas folhas subsequentes e versos. Algumas vezes é necessário fazer alguns ajustes nos tambores para isso, mas geralmente não saem exatamente no lugar onde deveriam estar, mas, para o resultado, avaliamos que detalhes assim não costumam ficar visíveis a ponto de prejudicar a apreciação das obras.
Finalizada a etapa de impressão das folhas, chega o momento de fazer o acabamento.
O primeiro passo é intercalar as folhas e fazer o corte central, transformando cada papel A3 em folhas A4. Depois os zines são dobrados e vincados à mão, para serem grampeados em seguida. Por fim, é realizado o refile das bordas, para deixar as publicações prontas para serem distribuídas.
Passo 7: Precificação e Distribuição
Muitas pessoas têm dúvidas sobre como chegar num valor para a venda de suas obras impressas. Então, apresento aqui alguns dos cálculos que costumamos fazer no momento de colocar o preço que será cobrado por um título.
Alguns pontos que devem ser levados em consideração são:
- O custo de impressão
- A quantidade de cópias feitas
- Onde será comercializado
Como falei anteriormente, uma das variáveis que interfere no custo de impressão é a quantidade de cópias feitas. Se é produzido um número maior de exemplares de uma zine, o valor unitário de cada publicação é reduzido. Por outro lado, uma quantidade menor de obras circulando pode gerar um valor agregado maior, já que, com algum esforço, o título seria esgotado mais rapidamente. A forma de comercialização também oferece alguns parâmetros para a precificação, já que existem alguns pontos específicos a serem considerados, como pagamento de espaço para expor em feiras ou porcentagem de consignação em lojas e livrarias.
Normalmente, para um projeto como o El Murta, que será vendido por nós mesmos e não colocado em uma livraria, por exemplo, usamos os seguintes cálculos:
Impressão e produção de cópias: cerca de 45% do preço de venda
Então, isso significa que, conforme tabela de preços de produção, cada exemplar teve um custo de impressão de 11 reais, já que foram impressas 100 cópias. Se isso representa 45%, o valor final seria de R$24,45, que dá para arredondar para R$25,00.
Dividimos os outros 55% aproximadamente assim:
Direitos autorais: 10%
Edição: 5%
Projeto gráfico: 5%
Divulgação: 10%
Venda: 25%
Os valores de venda, que nós mesmos fazemos, acabam sendo destinados para produção de novos trabalhos também, além de custos básicos do estúdio, como manutenção das máquinas e equipamentos, compra de insumos etc.
No caso da distribuição, por se tratarem de poucas cópias, o primeiro núcleo direto de circulação da zine são parentes e amigos próximos. O seguinte é pela divulgação por meio de redes sociais, onde pessoas interessadas em publicações experimentais têm acesso ao trabalho. Além disso, existem os eventos como lançamentos, em que é possível convidar o público para participar, e as várias feiras voltadas para a comercialização desse tipo de obra.
Esperamos que este tutorial tenha servido para acompanhar nossos processos e para auxiliar na produção de suas publicações experimentais, seja pelo Laboratório de Zines ou de forma independente. Siga a @faiscafestival para ficar por dentro de outras novidades relacionadas a zines, livros de artista e risografia. O nosso email é o faisca@editorapulo.com.br. Até a próxima!